26 de dezembro de 2011

Frio na barriga

O conselho de classe final sempre me dá um friozinho na barriga, mesmo depois de tantos anos. Decidir o futuro de alguém traz uma responsabilidade enorme e, algumas vezes, um peso assustador. Este ano senti na pele um dos maiores fracassos profissionais dos meus longos anos de magistério.

Em 2010, tive um aluno que, apesar de mediano, era bastante esforçado, tinha comportamento exemplar e uma educação rara de se encontrar em pré-adolescentes. Numa de nossas tardes de aulas de língua portuguesa, a diretora adjunta da escola me chamou para um recado urgente. A mãe do menino tinha acabado de falecer. Ele deveria arrumar o material com rapidez e esperar que uma tia viesse buscá-lo. Só que, para mim, o maior problema ainda estava para ser anunciado: eu deveria dizer ao menino o que havia acontecido. "Eu?, pensei. Como poderia fazer tal coisa?". Enfim, acabei por chamar o rapazote para ser portadora da terrível notícia. Nem me lembro que palavras usei, como enrolei para chegar ao ponto. Apaguei da memória completamente o desfecho daquele dia.

O menino sumiu por uns dias e retornou obviamente tristonho, calado. Contou com o apoio tácito dos colegas, mas seguiu o ano distante, parecendo estar alheio às propostas das aulas e terminou o ano apresentando mudanças significativas no comportamento e retido com alguns professores. Tentei argumentar, uma vez que tinha bons resultados nos primeiros bimestres, mas em vão. A reprovação foi decidida e em 2011 tivemos novo encontro na mesma série. Dessa vez como sua professora de Artes.

Estava irreconhecível. Presente todos os dias só de corpo, porque a cabecinha só prestava atenção às bagunças da turma da "cozinha". Era visível que aquela reprovação não o teria ajudado em nada e novamente ficou retido em 2011, apesar das minhas súplicas ao grupo. Só que dessa vez era patente a falta de interesse e o descaso a tudo que se referia à escola, meus argumentos eram insuficientes. Que desgaste! Uma profunda tristeza se instalou em mim. Tive a certeza de que a escola ainda está longe de resgatar, conquistar e consolar, de encontrar alguns aspectos de humanização dos processos, imprescindíveis às relações. 

16 de novembro de 2011

"Dolce far niente" atendido

Tenho dificuldade de entender por que os alunos normalmente gostam de ir à escola para ficar no "dolce far niente". Sinceramente, levantar cedo para entrar às 7h e querer ficar à toa foge completamente ao meu entendimento. Nada me aborrecia mais do que chegar no colégio e não ter a primeira aula. Dava uma peninha de deixar meu travesseirinho... Afinal, ir para a sala de aula significava, pelo menos para mim, anotar as matérias, realizar as tarefas, prestar atenção, ah!... essas coisas em completo desuso nos dias de hoje.

Por diversas vezes, nos meus anos de magistério na escola pública, ouvi "essa professora não fica doente não?", "Poxa, quando ela vai faltar?", "Já chegou... ai, meu Deus!, vai começar...". Sempre engoli os comentários com má vontade, tendo certeza de que teria uma indigestão um dia desses, mas o que se há de fazer? É melhor fingir que não ouvi. Depois de tanto pensamento positivo (ou negativo), o dia de não fazer nada chega mesmo.

Há poucos dias, sofri um acidente na subida da serra. Liguei para a escola, avisando sobre o que aconteceu e, é lógico, não cheguei para as primeiras aulas, pois precisava tomar as providências inevitáveis: registrar boletim de acidente de trânsito, chamar reboque, levar o carro para conserto da parte mecânica, além de esbravejar e imaginar o quanto meus alunos deveriam estar contentes pelos momentos de ócio, como também lamentar pelo atraso na minha programação de fim de ano, já pra lá de apertada. Coisas da vida...

Cheguei já após o recreio, morta de vergonha pelo atraso. Na janela, os alunos da turma em que deveria estar em plena aula esperavam por mim ansiosos por notícias. Queriam saber se eu estava bem, se eu tinha seguro... Gelei. Esperava outra reação dos meninos: lamentar a minha chegada, ou dizer que eu não precisava me preocupar com as aulas daquele dia, coisas assim, mas o oposto aconteceu.

Terminei a manhã com os alunos querendo saber se eu já havia procurado um médico e uma criatura com a cabeça nas minhas costas pedindo,, "Professora, fale 33 pra eu saber se a senhora está bem." Não sabia se ria ou se continuava a aula, o que foi impossível, já que o nervosismo da situação finalmente tomara conta de mim, deixando minhas pernas meio bambas, não sei se pelo acidente, ou se pela surpresa da paparicação dos alunos, que, obviamente, queriam dar uma enroladinha (não nasci ontem).


11 de agosto de 2011

Parabéns pelo capricho!

Na volta do recesso, entreguei aos alunos que tiraram folga antes da hora as avaliações do bimestre passado. Avaliar para dar nota sempre me deixa apreensiva pelo julgamento que temos de emitir. Ninguém gosta de ser testado, "medido". Até hoje também não me acostumei a fazer provas e não acho estranho que os alunos fiquem ansiosos.

Bem, voltando ao que interessa (se não, história nenhuma será contada), entreguei os testes, provas, trabalhos, pesquisas e tudo o mais que levo todo o meu tempo de planejamento pago pelo poder público (2h semanais... piada!) e boa parte do "tempo livre" de que disponho para corrigir. Como a tarefa me esgota, procuro amenizá-la com bilhetinhos para os alunos, em busca de uma reflexão sobre as atividades. Acredito que dessa forma elas não sejam só uma tarefa para cumprir protocolos, e sim um meio de ampliar aprendizagens, além de um ótimo pretexto para tornar a correção menos antipática.

Tenho em uma das minhas turmas de sexto ano uma aluna bem acostumada aos fracassos. Não costuma ligar para as notas baixas e, quando questionada, diz que não é capaz. Aquela aluna com a autoestima abaixo de zero. Isso me desespera, afinal, na minha vida de estudante lutei pelos décimos a mais. Como pode alguém se acostumar às reprovações e às notas baixas? Quase morro! Só que Deus é bom e nem tudo está perdido!

Entreguei a ela várias atividades, e em uma delas, muito bem feita, por sinal, escrevi "Parabéns pelo capricho!". A menina parou e perguntou com os olhinhos brilhando "Professora, isso é mesmo para mim?" Recebi por isso um beijo gostoso de presente. Poucas vezes vi tamanha gratidão de um aluno e na hora quase chorei. Quando anotei a observação, a intenção foi apenas de que ela tivesse vontade mais vezes de realizar as atividades com a dedicação que empenhou àquela. Que surpresa boa.


7 de julho de 2011

Afetividade e aprendizagem

Entrar na educação pública foi uma grande escola. O que considerava importante ou fútil teve de ser reformulado. Se antes valorizava muito o conteúdo, a escola pública mostrou que a afetividade é fundamental.

As primeiras situações vividas nas salas de aula da escola estadual constituíram-se em verdadeiros choques, depois de nove anos de magistério na escola onde estudei e compreendia facilmente os anseios daquela comunidade. É lógico que o trabalho fluía sem grandes crises. Elaborar atividades para os alunos parecidos comigo, quando era criança, poderia ser uma diversão. Tudo dava certo. Já na escola pública...

Nada do que eu planejava, incicialmente, tinha êxito. Não conseguia perceber qual era a bagagem que cada um dos alunos carregava, seus anseios e necessidades. Foi a primeira vez que me senti completamente impotente. Encarar a fome e a pobreza foi terrível. Tive a certeza de que eu nada sabia da vida. Não é possível aprender coisa alguma quando o estômago está vazio ou quando se sente frio, mas o agasalho não faz parte dos pertences. A cabecinha também não funciona se os piolhos irritam. Preciso confessar que minha cabecinha também não funcionava com um chulé pra lá de azedo que insistia em sair mesmo de pés calçados. Só então entendi o que é esse tal de chulé!

Na lista de prioridade dessas pessoas não estava o "ba-be-bi-bo-bu" e eu por um bom tempo insisti, aprisionada pelos velhos padrões da formação que recebi. O fracasso das minhas aulas era do tamanho da minha insistência. Primeiro foi preciso amar apenas. Não foi fácil, mas a descoberta de que o amor era a chave da aprendizagem até hoje me emociona. Foi fantástico descobrir que para ser entendida era fundamental estabelecer uma relação de afetividade, antes. E quando parecia que jamais falaria a língua do aluno, descobri a linguagem mais universal: O AMOR.

Assim vem se configurando minha atuação na escola pública. As experiências mais bem sucedidas foram nos lugares onde criei laços, formei vínculos com alunos e colegas de profissão. Quanto mais sou capaz de me aproximar das pessoas melhor me faço compreender.

25 de maio de 2011

Modelo destruído

O bafafá sobre o livro didático aprovado pelo MEC e reprovado pela opinião popular, trouxe à tona uma história que teria ficado esquecida, caso a mídia não tivesse proposto o referido escândalo...

Sempre gostei de estudar línguas, especialmente a nossa, e passei muito tempo da minha vida, e ainda passo, buscando subsídios para aperfeiçoar meus registros ainda muito falhos e para aprimorar meus argumentos em sala de aula, pois juro que prezo o "bom" português (repleta de preconceito nesse comentário).

Confesso que a cada dia fica mais difícil agradar a garotada e isso começa a me apavorar. Cada texto selecionado é odiado pelos alunos, que oriundos de famílias muito desprovidas de recursos, não foram fonte da  tal cultura valorizada pela escola. De forma alguma quero dizer que não tenham cultura, absolutamente. Trazem na bagagem a riqueza da cultura popular, mas a maior parte dos textos está impregnada de uma cultura letrada, que quase nada diz a eles, porque não conseguem fazer as relações necessárias exigidas pelo intertexto, para que as possibilidades de interpretação se efetivem. Logo, se não entenderam o sentido, a língua não cumpriu o seu papel - eu também não.

Com essa dificuldade de conquistar o aluno, uma vez, enquanto "doutrinava" uma adolescente repetente e que - dizem, pois não tem laudo - é disléxica, ouvi um discurso que me tirou o chão. Essa menina, enjoada da minha insistência de fazê-la entender a norma padrão do português, gritava para mim, "Você pensa que eu quero falar como você? Não quero! O jeito que você fala é ridículo. Prefiro o meu." Fiquei completamente atônita. Pensava ser para os alunos um modelo. Ficou evidente que eu, de verdade, sou uma chata, que tenta impor um modo de expressão rejeitado pela maioria e que aquela menina teve a coragem de dizer.

Toda a polêmica do livro, evidentemente referindo-se aos assuntos de linguagem (variantes linguísticas, linguagem formal e linguagem informal) só terá utilidade se nós, professores, pararmos para refletir a respeito do assunto. É muito claro para mim, hoje, que a velha função da escola não faz sentido para o aluno das classes de menor prestígio social. É preciso redefenir nosso papel, rever objetivos e reelaborar práticas. Não que eu saiba como, mas todos os dias essas ideias me acompanham no trabalho.

4 de maio de 2011

Vaidade de principiante

Durante uma conversa com um jovem professor da escola onde sou coordenadora pedagógica, fiz uma viagem no tempo e voltei aos meus primeiros anos de profissão, quando almejava, um dia, ocupar os lugares mais valorizados da escola. Na verdade, os lugares que eu julgava mais importantes e que o passar do tempo me fez perceber serem apenas ocupados por quem cansou de roer o osso.

As séries iniciais de qualquer nível educacional são aquelas que demandam um desgaste enorme do professor. Haja paciência... "Tia, acabou a linha, e agora?", você explica o que fazer e o menino ainda tem a ousadia de dizer "Tia, acabou a folha... ". É preciso cuidar do dedinho que foi ferido pelo apontador, apaziguar as brigas, abrir a merendinha e, como se não bastasse, ensinar a ler e a escrever!

O sufoco continua e o professor desse nível sonha em ocupar as turmas nas quais tenha de se preocupar somente em transmitir o conteúdo, pois o mais desgastante outro já fez. Em compensação, não receberia os maravilhosos sorrisos desdentados, nem os beijos melados de pirulito e a gratidão da família pelo abraço acolhedor daquele dia de febre.

Próxima etapa: "Professor, é aula de quê?", "Qual é o caderno, hein?", "Que horas é o recreio?", "Xi! Anotei o dever de Artes no caderno de Matemática...". A importância do docente comprometido é primordial. De alguém que auxilie no entendimento do horário e do rodízio das aulas, que dê uma forcinha na utilização do caderno de matérias e que ainda finja que não ouviu o "tio" que escapou do sujeito atrás da carteira, fazendo questão de mostrar que já é um homenzinho, apesar de estar doido pra correr e pular no colinho da mãe, após tantas mudanças. Ser afetuoso na medida certa e ainda ter de planejar, apresentar o seu conteúdo, realizar projetos com outros professores, preencher os milhões de diários de classe. Esse é só o início da lista de afazeres. E aí vem o sonho do Ensino Médio. "Lá, sim, estão os alunos que entendem o que dizemos. Estudamos tanto, há tanto a dizer!"

Mero engano. Só ensinar conteúdos é o mais fácil da profissão. Mais difícil é ensinar, quanto menor for a bagagem dos nossos alunos e isso tira o foco do conhecimento específico do professor. Somos muitas vezes vaidosos, gostamos de mostrar o quanto sabemos sobre os assuntos sobre os quais nos debruçamos, mas a escola não é lugar de vaidades. Todos são importantes, como todos os tijolos de uma construção. Vários saberes são essenciais para um professor e a proficiência em sua especialidade é só um deles.

27 de março de 2011

Na alegria e na tristeza

Ao ler o blog de uma colega de profissão, lembrei-me de uma história que gostaria que não tivesse ocorrido, contudo, sem dúvida, foi daquelas que ajudaram no meu amadurecimento profissional. Nem sempre nos é possível rir das histórias, mas sempre nos é possível aprender com elas. Curioso como este fato estava obscuro nas memórias que tenho, talvez, porque o quisesse esquecer.

Já contei sobre uma turma que tive de rebolar para conquistar, e quando conquistada fomos grandes parceiros. Dessa turma, fazia parte um rapazinho de 16 anos, alegre, bem humorado, integrante de um conjunto de pagode recém-formado, completamente indisciplinado, porém era impossível ficar brava com o menino. Ele sempre dizia alguma coisa que quebrava a irritação dos professores e nos fazia rir dos absurdos: chegava atrasado, gritava do nada, raras vezes fazia tarefas. Paradoxalmente, adorável.

Numa quinta à noite, quando eu chegava de carro, correndo para lecionar na escola vizinha, à noite, ele parou de repente em minha frente na sua inseparável bicicleta, gritando, "Boa noite professora!", e abriu aquele sorriso irresistível. Deixou-me completamente atordoada. Briguei um pouco com ele, mas tive de sair do carro e dar um tapinha na viseira do boné (acho que não o tirava nem para tomar banho). Sexta-feira de aula normal e expectativa de outro final de semana comum. Nada havia de novo.

Sábado, pela manhã, meu telefone celular foi o meio da triste notícia: F. fora assassinado brutalmente no bar do Cascatinha Futebol Clube, durante um assalto. O chão me fugiu. Como aquele menino tão cheio de vida poderia estar morto? E só para completar o quadro, um funcionário da escola vizinha também tivera o mesmo fim.  Eram amigos inseparáveis (ironia: tão inseparáveis que morreram juntos).

Minha primeira reação foi buscar apoio em outro professor que trabalhava nas mesmas turmas que eu. Liguei, imediatamente, e chorei as mágoas. Como morava em outro município, não pôde comparecer ao velório nem ao enterro, e vivi essas torturas sem meu companheiro mais próximo. Muito triste, ao lado de alguns alunos da turma, solidários e corajosos por presenciarem esse momento tão jovens, assisti àquele horror.

Aula na segunda-feira foi missão quase impossível. Tentei levar o dia normalmente, confesso que por total inabilidade de lidar com os acontecimentos. Tudo o que eu queria era escapar. Admirei a atitude do meu colega que pegou o violão, foi para o pátio e cantou com os meninos em homenagem ao amigo perdido.

A turma perdeu parte da alegria, mas continuar era preciso.

16 de março de 2011

Internetês: do Bem ou do Mal?

Incentivar alunos à produção de texto sempre foi uma empreitada pesada em sala de aula. Até aqueles com criatividade privilegiada em atividades orais travam nas propostas de escrita. Observar esse bloqueio sempre se configurou como uma frustração no exercício da minha profissão, talvez, porque, desde criança, escrever fosse, para mim, uma "curtição". Assim que tive a consciência de que escrever era "apenas" materializar o que eu pensava (não que pense grande coisa...), registrar tornou-se na minha vida uma prática, para mais tarde revisitar e reelaborar reflexões. Só que vá explicar isso! Experimente! É quase uma tortura para quem quer convencer e para quem tem de ser convencido. Ufa! Cansa.

Curiosamente, depois da popularização das redes sociais, principalmente do Orkut, os alunos começaram a ter prazer de escrever no ambiente virtual, e só nele, pois na sala de aula ainda é um nó - fato que só me faz ter a certeza de que a escola não reproduz nada da realidade na percepção do estudante. Inicialmente, fiquei chocada com o "estilo" escolhido: um registro próximo das representações fonéticas que fazíamos na faculdade, nas aulas da disciplina de Fonologia. O mais intrigante é que consider as representações mais difíceis. Quando lia aquele nawn (não, em internetês), ficava achando que eram gênios. Eu e quase toda a turma no curso de Letras custávamos a chegar às formas de representar a linguagem oral. Hoje, entendo que estávamos presos às normas, já cristalizadas em nós, da escrita formal.

Logo depois desse primeiro contato com o modo adolescente de comunicação virtual, li um texto do Sérgio Nogueira que tentava derrubar o mito da nova forma de expressão nos docentes de Língua Portuguesa. A leitura me desestabilizou bastante e suavizou minhas críticas. É claro que ninguém fez qualquer apologia a mudar a norma culta, é bom esclarecer, senão a linguística fica com má fama. O foco era a clareza de que o tipo de escrita utilizado não deve ser considerado um pecado (desde que ficasse claro para os alunos que seria EXCLUSIVA do cibernauta em situação inteiramente informal).

Naquele momento, as considerações a que submeti as ideias do professor Nogueira pairavam apenas no aspecto da língua. Com o passar do tempo, percebi que os adolescentes adicionados as minhas páginas ficavam cada vez mais soltos nos recados que me enviavam e não se preocupavam se eu os corrigiria, porque tinham perfeita noção da diferença da relação que estabeleciam comigo na sala de aula e na rede. Não é de se estranhar que outros professores e autores observassem o mesmo que eu. Os novos livros didáticos foram elaborados com propostas de redação que simulam ambientes virtuais como o blog, e-mail e sites de mensagem instantânea.

Torço mesmo para que toda essa parafernalha tecnológia seja de nós, professores, uma aliada e que um dia esteja ao alcance de todos, tornando nossas aulas mais dinâmicas e próximas do que os alunos desejam aprender. O próximo passo, pelo menos da minha caminhada, é tentar ser menos jurássica. Será que consigo?


4 de março de 2011

Quem vai querer ser professor?

Venho assistindo a uma grande valorização da tecnologia que ocorre na mesma medida da desvalorização do professor, sempre o grande culpado pelos fracassos dos sistemas educacionais, ultimamente. As salas de aula vêm sendo equipadas com máquinas fantásticas, e estas munidas de sistemas poderosos - que controlam horários, presenças e oferecem recursos (mas não podem ser usados com esse objetivo) - climatizadores, verbas de todos os lados, servindo até para que um santo dê esmola com a carteira de outro, pois assim agem os demagogos.

Metas são jogadas no ventilador e salve-se quem puder. Se o dever de casa não estiver pronto no prazo determinado, não tem gratificaçãozinha, não! Assim seguimos nós, mas o dedinho que aciona toda a tecnologia imposta está sob o comando daquilo que sentimos e pensamos. Disso esqueceram-se aqueles que desvalorizam e culpam o docente pelas derrotas.

Temos muito a aprender, sim, e muito a oferecer também, porém nada nos é perguntado. Tudo nos cai na cabeça, com a força de  mãos de ferro. Somos tratados como preguiçosos e incompetentes, a cada dia assumimos mais funções, recebemos respeito de menos. Não é à toa que os cursos de licenciatura estão vazios, e a tendência é que esvaziem ainda mais. Quem vai querer passar por tudo isso?

Até agora, vinha apostando na virada de mesa pelos professores. Confesso que estou perdendo a esperança. Vejo a educação pública edificando as bases em uma política de estatísticas. Importa "quantos". "Como", "quando", "onde", "por que" são argumentos riscados do caderninho. Sinceramente, não precisamos de tantos números. Precisamos do prazer de ensinar a quem quer aprender, precisamos de respeito e de salários dignos, precisamos de espaço para opinar e trabalhar pelos avanços sociais. É isso que queremos.

25 de janeiro de 2011

Tia encalhada

Logo após o incidente do pneu (postagem anterior) estava em perfeita "lua-de-mel" com as turmas. Vivia um momento de muitas descobertas particulares e ótima fase profissional. O trabalho me trazia muita satisfação, mesmo com as dificuldades de aprendizagem de vários alunos. Impossível negar os avanços, considerando o início emperrado. Novos professores chegaram com ideias para somar ao trabalho e os projetos tiveram alma renovada. Clima de amizade e, consequentemente, o reflexo era visível.

Durante o ano, a escola participou de um projeto muito legal dos bombeiros que envolvia educação para a cidadania, esportes, orientação para primeiros socorros, viagem e outras atividades de lazer. E lá estava eu, acompanhando tudo, com minhas duas matrículas na mesma escola, desfrutando da permuta concedida na época do trabalho na equipe de ensino da Coordenadoria Regional. Como não sabia sobre as mudanças que em breve ocorreriam, estava tranquila, feliz da vida... Percebia um interesse político no projeto dos bombeiros, mas no geral era positivo.

Para encerramento da proposta, um baile foi marcado no Petropolitano Futebol Clube. Os adolescentes estavam animadíssimos! Só um detalhe poderia estragar tudo: como pagariam o transporte? As famílias tinham enormes dificuldades financeiras e não sobrava para esse luxo. Imediatamente, encontrei a solução, já que deveríamos acompanhar a galerinha. Eu e a diretora (ela foi convidada para participar de um coquetel vip oferecido pelos oficiais... eu não, ía só ficar de olho) levaríamos as turmas em nossos carros! Nem todos iriam e as turmas eram pequenas.Alguns poucos teriam dinheiro para o ônibus. Duas ou três viagens resolveriam (claro que a lotação era superior à máxima possível e todos foram ao baile como o que é embalado a vácuo.

No clube, fiquei em um cantinho simpático, segurando todas as bolsas, mochilas, casacos e tudo o mais que fora levado para que a moçada pudesse dançar. Ah, que bonito! De vez em quando, um beijinho aqui, outro ali, à moda dos jovens de hoje. Eu realmente estava me divertindo ao observar aquilo. Lamentava ter sido tão careta quando passava pela mesma etapa adolescente. A pilha de objetos de que deveria tomar conta só ía aumentando e eu, bem micro, sumi atrás da montanha que se formou. Tudo ótimo!

Quando o soninho começou a bater, o aluno mais velho se aproximou para conversar comigo. Fiquei muito sem jeito de ele estar preocupado em me fazer companhia, afinal, o meu objetivo era zelar por todos, construir uma relação de maior confiança e proximidade. Não tinha topado aquilo para meu deleite e aconselhei-o a voltar a dançar com os colegas. Eu estava bem. Só que o rapazote não "assimilou" a dica e ficou lá, conversa vai, conversa vem até que recebi a seguinte proposta:

__ Professora, posso tirar as suas "telhas" de aranha?

Custei a entender o que o garoto queria... Quando a ficha caiu, comecei a rir escandalosamente e até hoje não sei se pela proposta ou pelas telhas e ao mesmo tempo, preocupada com a minha imagem, pois eu devia estar com cara de tão encalhada que precisaria da caridade do menino mais assediado da noite e que já colecionava uns dez beijos naquele bailinho.

9 de janeiro de 2011

Bendito pneu





Comecei a trabalhar no segundo segmento do Ensino Fudamental em 2003, logo que saí da equipe de Gerência de Ensino da Coordenadoria. Até então, só havia trabalhado com crianças. Gostava muito, mas era preciso viver novas experiências tanto no âmbito profissional quanto no particular, e aproveitei uma formação adicional que tinha para tentar atuar nas turmas de 6º e 7º anos. Isso aconteceu em fins de abril e início de maio daquele ano.

Quando cheguei à escola, os alunos só tinham professor de Educação Física e o coitado passava os dias procurando envolvê-los em projetos, a fim  de que não fossem para as ruas. Em resumo, jogavam bola e participavam de ginástica olímpica o tempo inteiro. Que sacrifício, não? E eu cheguei com a pretensão de ensinar Língua Portuguesa e Artes para essa moçada, quase na totalidade fora da idade e colecionadora de repetências. Um desastre total...

Os adolescentes me viam no pátio e já montavam uma careta de desprezo. Como doía! Era bem intencionada e a cada aula tentava uma nova estratégia para motivá-los. Cheguei a pensar ser impossível conquistá-los. Foi um período de bastante angústia.

Numa terça-feira de fim de outono, na hora da saída, cheguei ao estacionamento e encontrei um dos pneus do carro arriado. Imediatamente, pensei que era só o que me faltava: cansada, depois de aulas de cão... e ainda teria de me virar para trocar um pneu SOZINHA. Não tinha mais quase ninguém que eu julgasse poder me ajudar. O funcionário de serviços gerais me viu ensaiar a troca pelo estepe e chamou justamente os líderes da turma que mais me enfrentava. Tive de aceitar e ainda, com um falso sorriso, agradecer. Éramos todos inexperientes na coisa, mas eu me recordei das aulas de direção defensiva e dirigia a operação, fingindo conhecimento.

Terminamos o serviço com a noite iniciada e o mínimo que eu poderia fazer era levar a garotada em casa, proposta que me devolveu olhos arregalados de espanto e um misto de reconhecimento imprevisto. Levei um a um (eram quatro) no pé de suas comunidades - eles não me permitiram entrar pelas vielas, acho que sentiram vergonha - e fui para casa com uma sensação de leveza que não experimentara antes, naquele novo momento profissional.

O pneu furado, que julguei ser uma real desgraça ao fim do dia, trouxe uma nova relação com os meninos e iniciamos, lentamente, um período de cumplicidade. Durante o ano acompanhei as turmas em atividades extraclasses, a pedido deles, e considero  o momento que se seguiu a esse o melhor em interação de toda minha caminhada. Sinto saudade.

2 de janeiro de 2011

ABC mágico

Trabalhei por dois anos letivos em turmas de alfabetização, ainda com metodologia tradicional. Lembro-me da ansiedade vivenciada por todos os envolvidos no processo: família, professora, coordenação e crianças. É um momento que define bastante o primeiro relacionamento do aprendiz com o conhecimento e a parceria com a família é fundamental.

No turbilhão de responsabilidades em que o professor alfabetizador se percebe, perdem-se algumas sutilezas encantadoras, como as tentativas de pronúncia na leitura, escondendo caretas imperdíveis dos pequeninos, a surpresa ao perceber que as sílabas sem sentido, quando solitárias, ganham significados nas várias combinações, ou mesmo ao notarem que as ilustrações têm relação com o que foi escrito no corpo do texto. Pode parecer simplório, mas, para o inciante, cada descoberta é uma festa.

Posso afirmar com toda segurança que é a turma de trabalho mais gratificante a curto prazo. As diferenças no aluno entre o início e o final do ano são muito visíveis, o que nos dá a sensação de missão cumprida e de alívio. Além disso, o universo infantil desta fase é uma caixinha de surpresas diária, e a rapidez da aquisição de novas aprendizagens é fantástica. Como seria maravilhoso se conseguíssemos aprender pelo resto da vida com a velocidade das primeiras experiências!

Numa das turmas que alfabetizei, vivi um dos momentos mais prazerosos que o magistério me proporcionou. Um encontro no Sesc de Nogueira com as várias turmas de C.A. foi um dos eventos mais esperados do ano. Jogos, leitura de histórias, caça ao tesouro... Tudo planejado para que o dia ficasse na memória. No intervalo para o lanche, ajudei as crianças a abrir pacotes, garrafas térmicas e, por fim, já morta de fome, chegou a minha vez de fazer uma boquinha. Ai que fome!

Comprei um misto quente na cantina e, quando dei a primeira mordida no sanduíche, notei que os belos olhos azuis de uma lourinha da turma, fitavam-me estarrecidos. Paralisei. Devia estar toda lambuzada de queijo ou, talvez, enfeitada com farelo de pão de forma torrado. Comecei a limpar os cantos da boca envergonhada e vi a garotinha cutucar o coleguinha ao seu lado com o cotovelo. Sem olhar para o menino, ela sussurrou alto o suficiente para que eu a ouvisse: "Ela come!"

"Ela" era eu!!!! Como poderia ter convivido quase um ano com aquelas crianças e não ter percebido que eu representava um ser quase mágico para algumas? E eu estava bem gordinha! Perdi a fome e tive de empurrar o resto do misto só para não ficar sem nada no estômago até chegar em casa. Estava emocionada. Continuamos as atividades, mas fiquei completamente "fora do ar".

Senti na pele a importância do modelo que representamos para o aluno, a referência do ideal que chega a ofuscar o quanto de real há em nós.