Recebemos um menino na idade de matrícula no ensino fundamental, que passava por avaliação psicológica, em razão de suspeita de um transtorno de comportamento. Para que a criança e a família se sentissem seguras, elaboramos uma adaptação de tempo e de atendimento, acompanhamos a professora nas intervenções ao aluno. Todo um arsenal de estratégias, nossa obrigação, sem dúvida, mesmo que ainda estivéssemos sem um parecer de profissional especializado.
Ansiosos, esperávamos mais esclarecimentos a respeito da criança, que a cada dia nos encantava e demonstrava tantas possibilidades, apesar da grave sentença do profissional da saúde: "Esta criança deverá ser matriculada na educação infantil". Isso significava andar para trás.
A criança que enxergávamos era outra: um menino imaturo, mas que demonstrava ser capaz de desenvolver a linguagem ainda muito infantil e a cada dia expressava-se mais e melhor. Progressos eram observados, mesmo que os avanços nos conteúdos escolares não fossem tão visíveis. No convívio com os coleguinhas da turma e com os profissionais da escola, ampliava o círculo de amigos e, apaixonado pela inspetora, todos os dias entregava-se a ela para que o conduzisse, sem o menor receio. A família foi informada de tudo e a relação com a escola parecia bastante amistosa.
Embora houvesse um contraste entre a avaliação da escola e a da saúde, respeitamos a opinião do profissional da psicologia e solicitamos à inspeção auxílio de como atender legalmente a sugestão da psicóloga, o que se deu com todo critério e cautela, já que o desenvolvimento de uma criança estava em jogo.
Com muito pesar, fizemos a transferência e nosso docinho mais uma vez surpreendeu. Mostrou que é capaz de enfrentar situações novas e de se adaptar a elas. Nossa consciência estava tranquila. Respeitamos os pareceres e tomamos as atitudes necessárias, investindo mais uma vez na aprendizagem e na felicidade do aluno.
Hoje, quando chegamos à escola, encontramos uma ordem de um promotor de justiça, para que fizéssemos imediatamente o que determinava o parecer do psicólogo. Mas a determinação já havia sido cumprida! Que mais deveríamos fazer? Uma sequência de indagações cutucaram-me durante o resto do dia. Tivemos a humildade de ouvir pessoas que jamais estiveram um momento sequer durante o recreio para assistir a como a criança brincava com os companheiros de turma. Fomos comedidos e tivemos a preocupação de tomar todas as atitudes com respaldo na lei e evitarmos qualquer problema legal, a fim de que a matrícula do aluno ficasse regular. Envolvemos a família, para que todos se percebessem respeitados.
Jamais, enviei um ofício a alguém da justiça para corrigir-lhe uma vírgula mal empregada nem meti-me a ensinar lei a quem dela entendia, por acreditar que não era da minha alçada. Do mesmo modo que não questionei qualquer laudo recebido. Cada um no seu quadradinho, e eu fico no meu.
Só que na escola é diferente. Todos parecem ter o direito de meter o dedo no glacê, com o pretexto de serem todos educadores.