18 de agosto de 2014

Professor para quê?

Recebemos um menino na idade de matrícula no ensino fundamental, que passava por avaliação psicológica, em razão de suspeita de um transtorno de comportamento. Para que a criança e a família se sentissem seguras, elaboramos uma adaptação de tempo e de atendimento, acompanhamos a professora nas intervenções ao aluno. Todo um arsenal de estratégias, nossa obrigação, sem dúvida, mesmo que ainda estivéssemos sem um parecer de profissional especializado.

Ansiosos, esperávamos mais esclarecimentos a respeito da criança, que a cada dia nos encantava e demonstrava tantas possibilidades, apesar da grave sentença do profissional da saúde: "Esta criança deverá ser matriculada na educação infantil". Isso significava andar para trás.

A criança que enxergávamos era outra: um menino imaturo, mas que demonstrava ser capaz de desenvolver a linguagem ainda muito infantil e a cada dia expressava-se mais e melhor. Progressos eram observados, mesmo que os avanços nos conteúdos escolares não fossem tão visíveis. No convívio com os coleguinhas da turma e com os profissionais da escola, ampliava o círculo de amigos e, apaixonado pela inspetora, todos os dias entregava-se a ela para que o conduzisse, sem o menor receio. A família foi informada de tudo e a relação com a escola parecia bastante amistosa.

Embora houvesse um contraste entre a avaliação da escola e a da saúde, respeitamos a opinião do profissional da psicologia e solicitamos à inspeção auxílio de como atender legalmente a  sugestão da psicóloga, o que se deu com todo critério e cautela, já que o desenvolvimento de uma criança estava em jogo.

Com muito pesar, fizemos a transferência e nosso docinho mais uma vez surpreendeu. Mostrou que é capaz de enfrentar situações novas e de se adaptar a elas. Nossa consciência estava tranquila. Respeitamos os pareceres e tomamos as atitudes necessárias, investindo mais uma vez na aprendizagem e na felicidade do aluno.

Hoje, quando chegamos à escola, encontramos uma ordem de um promotor de justiça, para que fizéssemos imediatamente o que determinava o parecer do psicólogo. Mas a determinação já havia sido cumprida! Que mais deveríamos fazer? Uma sequência de indagações cutucaram-me durante o resto do dia. Tivemos a humildade de ouvir pessoas que jamais estiveram um momento sequer durante o recreio para assistir a como a criança brincava com os companheiros de turma. Fomos comedidos e tivemos a preocupação de tomar todas as atitudes com respaldo na lei e evitarmos qualquer problema legal, a fim de que a matrícula do aluno ficasse regular. Envolvemos a família, para que todos se percebessem respeitados.

Jamais, enviei um ofício a alguém da justiça para corrigir-lhe uma vírgula mal empregada nem meti-me a ensinar lei a quem dela entendia, por acreditar que não era da minha alçada. Do mesmo modo que não questionei qualquer laudo recebido. Cada um no seu quadradinho, e eu fico no meu.

Só que na escola é diferente. Todos parecem ter o direito de meter o dedo no glacê, com o pretexto de serem todos educadores.