14 de outubro de 2019

Talento pra micos

Então, acho que nasci com um aplicativo criador de micos...
Meu guarda-chuva ficou em frangalhos, e a gente só se lembra de comprar, quando chove, né?
Rapidinho, entrei no bazar do coreano, e tinha o que precisava para andar no Centro. Tão simpático o olhinho puxado, abriu o guarda-chuva, que custava baratinho, e perguntou se eu já ia usar. Já me entregou aberto.
Saí da loja e, quando passei pela marquise, fechei. 
Para atravessar a rua, precisava de novo da coisa aberta, e a briga começou. Puxa de um lado, fecha do outro. Abre tudo, fecha tudo. Agarro as hastes, e nada... Todo mundo olhando.
Finalmente, consegui. Dou o primeiro passo e... O salto fica preso na pedra portuguesa.
Que talento!

20 de fevereiro de 2019

Ervilha chique

Estava no mercado sem muita pressa, quando dois adolescentes, ou pré-adultos, chamaram minha atenção. Pareciam irmãos.

Os dois analisavam a prateleira de enlatados com muita preocupação e, a todo momento, liam a listinha de compras. A falta de prática para a missão era evidente. Os poucos itens da cestinha estavam amontoados, os mais pesados amassavam os mais leves. As latas eram retiradas e, novamente, devolvidas, rodavam nas mãos, enquanto os olhos percorriam as letrinhas, mas nada encontravam.

- E agora? Não tem! - bateu o desespero.

- Ah, liga pra mãe! - aconselhou a mocinha que tinha as sobrancelhas arqueadas e os olhos assustados.

Resignado, o rapaz ligou. 

- Ô, mãe! Aquele negócio de nome difícil, petit pois - a pronúncia um pouco insegura -, que você mandou comprar, não tem!

Mostrei a lata de ervilhas e disse que era a mesma coisa para a moça. Imediatamente, ela corou e sorriu, como em agradecimento.

- Ah, mãe, pode deixar... a moça aqui ajudou. Mas por que não disse que queria ervilhas? Tão simples! Tinha que complicar?

Eles acomodaram a latinha na bagunça da cesta e dirigiram-se ao caixa. A expectativa de um almoço requintado deve ter se desmanchado, mas, sem dúvida, o vocabulário estava mais rico, embora não parecesse importar.

10 de fevereiro de 2019

Um Dia da Árvore

Aniversário não era a data de que mais gostava, quando criança. Mas o Dia da Árvore... Ah, o Dia da Árvore! 

Na escola, era usual a distribuição de mudas aos alunos. A diretora ia pessoalmente a cada sala de aula para oferecer uma mudinha nativa da Mata Atlântica. Na minha cabeça de menina, era a comemoração perfeita da vida, inclusive, da minha. Era um dia especial para nascer, não lhe parece? E confesso que gostaria de encontrar em mim muitas das características atribuídas à personificação - que insistimos em fazer com tudo - deste ser que parece estável, profundo, observador, acolhedor, protetor, resistente.


O detalhe era que todas as crianças poderiam levar uma das mudinhas, DESDE QUE MORASSEM EM CASA.  
Eu, cria de apartamento, não poderia ser presenteada com aquele que seria o melhor mimo de todos! 

Poxa, isso aconteceu por alguns anos seguidos e era sempre frustrante. Fui ensinada a falar a verdade, apesar dos impulsos pueris, quase arrebatadores, de satisfazer o sonho de ter uma árvore tão "aniversariante do dia" quanto eu. Intimamente, brigava com os ensinamentos recebidos na família e o desejo de ter nas mãos um símbolo dos predicativos que almejava ter na personalidade. Parecia mais fácil aprender com eles em mãos.

Passados os anos, a vida me mostrou que não tenho dedo verde, como o do garoto do livro, e é melhor que as plantinhas morem no quintal alheio. A menina que mora em mim, e que adora árvores, ensinou-me a criar raízes, a admirar a capacidade de resistir às estações, que o silêncio só deve ser quebrado com a agressividade das tempestades, que a poda é dolorosa, porém necessária.


Feliz Dia da Árvore!

Spoiler acidental

Relendo alguns livros de Literatura da época da graduação, lembrei deste dia.
Cheguei atrasada a uma aula de Literatura Brasileira, como sempre, já que o trajeto longo, costumeiramente, me travava em algum ponto. Adorava a aula, e meus atrasos frequentes eram doídos, não só pelo atraso em si, mas por perder minutos preciosos. A aula era dinâmica, o professor, um crânio.

Estranhei o silêncio, o clima pesado. Ainda atarantada com as fechadas frequentes e com os engarrafamentos quilométricos da Linha Amarela, sem solução, olhava para a projeção no quadro branco, buscando o prumo. Hummmmm. Uma proposta diferente.

Logo, recebi uma folha que tinha o mesmo texto exibido pelo data show (descobri que não estava tão fora do horário).
"Caramba!", pensei, "hoje, teremos um texto em outra língua. O que perdi?". "Não, pera aí. Manifesto futurista. Deve ser em português." 

Foquei mais um pouco e, pronto! Estava claro!

Meio que em resmungo, declarei a descoberta da pólvora. Meio baixo, meio alto, falei toda contente, "ABAIXO O PASSADISMO!".

Surpreso, o professor veio até mim e perguntou, "Você já sabia?".
Disse que não bastante confusa. Ai, não era para falar, fiquei com vergonha. Todos olhavam para mim, como se eu vivesse em outro planeta. Entendi o 'spoiler'. Detonei tudo.
Meu mestre, e que mestre!, riu e completou, "Você estragou a minha aula".

Não estava claro? Repare, está escrito!