21 de janeiro de 2013

Pré-requisito: mínimo de sensibilidade

Passamos por situações na atividade docente em que ou mudamos, ou pedimos para sair. Desenvolver a sensibilidade e a capacidade de nos colocar no lugar do outro é imprescindível para o exercício do magistério. Principalmente, na educação pública, há momentos em que a distância do que vivenciamos é muito grande em relação à realidade do aluno.

A minha entrada no sistema estadual de ensino foi a prova de fogo. Estudei o tempo todo em um colégio de classe média e, logo que terminei o curso de formação de professores, comecei a trabalhar na mesma instituição. Conseguia até adivinhar o que queriam os pais e os alunos. Essa realidade era a mesma que vivi, mas quando ingressei no estado, em um Ciep, onde ministrei as primeiras aulas, posso dizer que meu mundo caiu. Tudo era diferente daquilo que conhecia. As carências eram múltiplas: financeira, de conhecimento, de carinho, de atenção.

Chorava todos os dias e tinha medo de não conseguir prosseguir. A cada dia uma história nova: a criança que comia um banquete no domingo caçado pelo pai, um gambá; o menino que passava o fim de semana sem comer, pois a merenda escolar não era distribuída; a menina que estava na alfabetização há anos e nem o nome ainda conseguia escrever. A convivência com chulé, piolho, sarna e outros problemas dos locais sem saneamento básico, abandonados pelo poder público, também foi um susto, mas foi assim que eu compreendi que quem deveria mudar era eu. Precisava, ao menos, perceber a miséria com sensatez e entender o quanto eu havia sido privilegiada no percurso da vida.

As meias paredes da construção permitiram que eu também ouvisse outras histórias, era impossível não participar dos acontecimentos de outras salas de aula. E em uma manhã, ouvi do outro lado "Dinheiro para comprar biscoito recheado sua mãe tem, mas para o lápis, não!". A exclamação aos berros doeu em mim e fui para casa mais uma vez chorando e pensando sobre o que se passava na cabeça das famílias, das crianças e das colegas. Só tinha certeza de que meu coração estava em frangalhos.

A situação econômica do país era de estabilização da economia e o pobre teve acesso a alguns bens que jamais imaginou comprar: televisão, antena parabólica e na despensa, que beleza, biscoito recheado. Um real era dinheiro e compravam-se dois pacotes da iguaria com a quantia... Tentei compreender o que pensava um pai, que no final do mês recebia um salário mínimo, tinha uns cinco filhos, pagava aluguel, luz e pouco sobrava para as compras. Tive a certeza de que, no lugar dele, compraria um biscoito recheado. Lápis não enche barriga.