11 de novembro de 2014

Torre de Babel

Um desses dias, entrei em uma turma de aceleração de estudos para uma bronca de rotina, assim que percebi que vários alunos estavam na janela em interação complicada com alunos de outras turmas no recreio. Um grupo difícil, fora da idade, ávido para aprontar e quase sem vontade de estudar. Tudo parece mais interessante: perambular pela escola, burlar regras, implicar com os menores, matar aula. Poderia elaborar uma lista enorme de coisas mais importantes que assistir às aulas, realizar tarefas e tudo mais que propomos a eles.

Falava sobre os problemas causados em ficar gritando aos alunos que estavam no recreio e atirar coisas, quando uma menina disposta a argumentar disse que estavam em "aula vaga" e como era ruim ter intervalos durante as aulas.

Realmente, por mais que procuremos evitar as janelas do horário, como chamamos, algumas vezes é inevitável. Expliquei isso a ela.

Pronto, confusão formada para quem tem dificuldade nas conexões... Janela da sala, janela do horário... Estabelecemos um diálogo maluco. Eu falava sobre as janelas do horário e ela sobre a janela da sala e não nos entendíamos mais. A impressão era a de que falávamos línguas diferentes.

A professora que, então, pegaria a turma após a janela do horário, ficou um tempinho perplexa com a conversa de velha da praça que se estabeleceu, mas entendeu a confusão e chamou atenção para o que havia formado a dissonância. 

Foi impossível continuar a conversa, mas o divertimento, garantido.

18 de agosto de 2014

Professor para quê?

Recebemos um menino na idade de matrícula no ensino fundamental, que passava por avaliação psicológica, em razão de suspeita de um transtorno de comportamento. Para que a criança e a família se sentissem seguras, elaboramos uma adaptação de tempo e de atendimento, acompanhamos a professora nas intervenções ao aluno. Todo um arsenal de estratégias, nossa obrigação, sem dúvida, mesmo que ainda estivéssemos sem um parecer de profissional especializado.

Ansiosos, esperávamos mais esclarecimentos a respeito da criança, que a cada dia nos encantava e demonstrava tantas possibilidades, apesar da grave sentença do profissional da saúde: "Esta criança deverá ser matriculada na educação infantil". Isso significava andar para trás.

A criança que enxergávamos era outra: um menino imaturo, mas que demonstrava ser capaz de desenvolver a linguagem ainda muito infantil e a cada dia expressava-se mais e melhor. Progressos eram observados, mesmo que os avanços nos conteúdos escolares não fossem tão visíveis. No convívio com os coleguinhas da turma e com os profissionais da escola, ampliava o círculo de amigos e, apaixonado pela inspetora, todos os dias entregava-se a ela para que o conduzisse, sem o menor receio. A família foi informada de tudo e a relação com a escola parecia bastante amistosa.

Embora houvesse um contraste entre a avaliação da escola e a da saúde, respeitamos a opinião do profissional da psicologia e solicitamos à inspeção auxílio de como atender legalmente a  sugestão da psicóloga, o que se deu com todo critério e cautela, já que o desenvolvimento de uma criança estava em jogo.

Com muito pesar, fizemos a transferência e nosso docinho mais uma vez surpreendeu. Mostrou que é capaz de enfrentar situações novas e de se adaptar a elas. Nossa consciência estava tranquila. Respeitamos os pareceres e tomamos as atitudes necessárias, investindo mais uma vez na aprendizagem e na felicidade do aluno.

Hoje, quando chegamos à escola, encontramos uma ordem de um promotor de justiça, para que fizéssemos imediatamente o que determinava o parecer do psicólogo. Mas a determinação já havia sido cumprida! Que mais deveríamos fazer? Uma sequência de indagações cutucaram-me durante o resto do dia. Tivemos a humildade de ouvir pessoas que jamais estiveram um momento sequer durante o recreio para assistir a como a criança brincava com os companheiros de turma. Fomos comedidos e tivemos a preocupação de tomar todas as atitudes com respaldo na lei e evitarmos qualquer problema legal, a fim de que a matrícula do aluno ficasse regular. Envolvemos a família, para que todos se percebessem respeitados.

Jamais, enviei um ofício a alguém da justiça para corrigir-lhe uma vírgula mal empregada nem meti-me a ensinar lei a quem dela entendia, por acreditar que não era da minha alçada. Do mesmo modo que não questionei qualquer laudo recebido. Cada um no seu quadradinho, e eu fico no meu.

Só que na escola é diferente. Todos parecem ter o direito de meter o dedo no glacê, com o pretexto de serem todos educadores. 

29 de março de 2014

Diferença ou diversidade?

Quase não tenho registrado minhas memórias... nem as antigas nem as recentes, mas desde que comecei a coordenar as duas escolas em que trabalho, os momentos mais introspectivos ficaram restritos, limitados pelos imprevistos e pela carga horária maior. Na coordenação, o espaço de atuação é ampliado pela natureza da função, e as histórias agora incluem os pais, responsáveis e afins.

Cheguei um dia na sala da direção e encontrei minha diretora pesquisando alguma coisa no dicionário. Com toda a pose de professora de língua portuguesa, perguntei se queria ajuda. Para minha surpresa, ela não tirava dúvidas, mas escrevia um bilhete para um responsável.

Nossa escola localiza-se em um bairro com pouca oferta de transporte, por isso a maioria dos alunos reside no entorno, com raríssimas exceções. Temos alguns alunos da mesma família, moradores do bairro, todos vindos de um estado do Nordeste. Até então, as pequenas diferenças culturais não haviam causado qualquer mal-entendido. Os maiores carregam uma bagagem mais abrangente da cultura do lugar onde nasceram, e os menores já são quase petropolitaníssimos (perdoem-me o neologismo).

Como toda família que tem crianças, essa não ficou livre das peraltices infantis. A mais  velha, em uma manhã, foi levada pelo nosso professor de inglês, das pessoas mais gentis e educadas que conheço, para resolver uma confusão que se iniciou dentro de sala de aula por ela.

O professor precisou relatar tudo o que ocorreu e se referiu à mocinha como rapariga. Pronto! Foi o começo do fim! A menina deu um ataque de pelanca, afirmando ter sido desrespeitada pelo professor que somava mais uma cara de samambaia assistindo ao desespero da aluna.

Como na minha área de atuação, trabalhamos com as variações linguísticas e tenho parte da família vinda de estado do Nordeste, imediatamente entendi a "ofensa". Era mesmo melhor explicar, os pais teriam dificuldade de compreender a diferença regional de significado que a palavra apresenta nos locais. Sem querer, uma baita confusão ainda ia começar.