9 de janeiro de 2011

Bendito pneu





Comecei a trabalhar no segundo segmento do Ensino Fudamental em 2003, logo que saí da equipe de Gerência de Ensino da Coordenadoria. Até então, só havia trabalhado com crianças. Gostava muito, mas era preciso viver novas experiências tanto no âmbito profissional quanto no particular, e aproveitei uma formação adicional que tinha para tentar atuar nas turmas de 6º e 7º anos. Isso aconteceu em fins de abril e início de maio daquele ano.

Quando cheguei à escola, os alunos só tinham professor de Educação Física e o coitado passava os dias procurando envolvê-los em projetos, a fim  de que não fossem para as ruas. Em resumo, jogavam bola e participavam de ginástica olímpica o tempo inteiro. Que sacrifício, não? E eu cheguei com a pretensão de ensinar Língua Portuguesa e Artes para essa moçada, quase na totalidade fora da idade e colecionadora de repetências. Um desastre total...

Os adolescentes me viam no pátio e já montavam uma careta de desprezo. Como doía! Era bem intencionada e a cada aula tentava uma nova estratégia para motivá-los. Cheguei a pensar ser impossível conquistá-los. Foi um período de bastante angústia.

Numa terça-feira de fim de outono, na hora da saída, cheguei ao estacionamento e encontrei um dos pneus do carro arriado. Imediatamente, pensei que era só o que me faltava: cansada, depois de aulas de cão... e ainda teria de me virar para trocar um pneu SOZINHA. Não tinha mais quase ninguém que eu julgasse poder me ajudar. O funcionário de serviços gerais me viu ensaiar a troca pelo estepe e chamou justamente os líderes da turma que mais me enfrentava. Tive de aceitar e ainda, com um falso sorriso, agradecer. Éramos todos inexperientes na coisa, mas eu me recordei das aulas de direção defensiva e dirigia a operação, fingindo conhecimento.

Terminamos o serviço com a noite iniciada e o mínimo que eu poderia fazer era levar a garotada em casa, proposta que me devolveu olhos arregalados de espanto e um misto de reconhecimento imprevisto. Levei um a um (eram quatro) no pé de suas comunidades - eles não me permitiram entrar pelas vielas, acho que sentiram vergonha - e fui para casa com uma sensação de leveza que não experimentara antes, naquele novo momento profissional.

O pneu furado, que julguei ser uma real desgraça ao fim do dia, trouxe uma nova relação com os meninos e iniciamos, lentamente, um período de cumplicidade. Durante o ano acompanhei as turmas em atividades extraclasses, a pedido deles, e considero  o momento que se seguiu a esse o melhor em interação de toda minha caminhada. Sinto saudade.

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