27 de março de 2011

Na alegria e na tristeza

Ao ler o blog de uma colega de profissão, lembrei-me de uma história que gostaria que não tivesse ocorrido, contudo, sem dúvida, foi daquelas que ajudaram no meu amadurecimento profissional. Nem sempre nos é possível rir das histórias, mas sempre nos é possível aprender com elas. Curioso como este fato estava obscuro nas memórias que tenho, talvez, porque o quisesse esquecer.

Já contei sobre uma turma que tive de rebolar para conquistar, e quando conquistada fomos grandes parceiros. Dessa turma, fazia parte um rapazinho de 16 anos, alegre, bem humorado, integrante de um conjunto de pagode recém-formado, completamente indisciplinado, porém era impossível ficar brava com o menino. Ele sempre dizia alguma coisa que quebrava a irritação dos professores e nos fazia rir dos absurdos: chegava atrasado, gritava do nada, raras vezes fazia tarefas. Paradoxalmente, adorável.

Numa quinta à noite, quando eu chegava de carro, correndo para lecionar na escola vizinha, à noite, ele parou de repente em minha frente na sua inseparável bicicleta, gritando, "Boa noite professora!", e abriu aquele sorriso irresistível. Deixou-me completamente atordoada. Briguei um pouco com ele, mas tive de sair do carro e dar um tapinha na viseira do boné (acho que não o tirava nem para tomar banho). Sexta-feira de aula normal e expectativa de outro final de semana comum. Nada havia de novo.

Sábado, pela manhã, meu telefone celular foi o meio da triste notícia: F. fora assassinado brutalmente no bar do Cascatinha Futebol Clube, durante um assalto. O chão me fugiu. Como aquele menino tão cheio de vida poderia estar morto? E só para completar o quadro, um funcionário da escola vizinha também tivera o mesmo fim.  Eram amigos inseparáveis (ironia: tão inseparáveis que morreram juntos).

Minha primeira reação foi buscar apoio em outro professor que trabalhava nas mesmas turmas que eu. Liguei, imediatamente, e chorei as mágoas. Como morava em outro município, não pôde comparecer ao velório nem ao enterro, e vivi essas torturas sem meu companheiro mais próximo. Muito triste, ao lado de alguns alunos da turma, solidários e corajosos por presenciarem esse momento tão jovens, assisti àquele horror.

Aula na segunda-feira foi missão quase impossível. Tentei levar o dia normalmente, confesso que por total inabilidade de lidar com os acontecimentos. Tudo o que eu queria era escapar. Admirei a atitude do meu colega que pegou o violão, foi para o pátio e cantou com os meninos em homenagem ao amigo perdido.

A turma perdeu parte da alegria, mas continuar era preciso.

16 de março de 2011

Internetês: do Bem ou do Mal?

Incentivar alunos à produção de texto sempre foi uma empreitada pesada em sala de aula. Até aqueles com criatividade privilegiada em atividades orais travam nas propostas de escrita. Observar esse bloqueio sempre se configurou como uma frustração no exercício da minha profissão, talvez, porque, desde criança, escrever fosse, para mim, uma "curtição". Assim que tive a consciência de que escrever era "apenas" materializar o que eu pensava (não que pense grande coisa...), registrar tornou-se na minha vida uma prática, para mais tarde revisitar e reelaborar reflexões. Só que vá explicar isso! Experimente! É quase uma tortura para quem quer convencer e para quem tem de ser convencido. Ufa! Cansa.

Curiosamente, depois da popularização das redes sociais, principalmente do Orkut, os alunos começaram a ter prazer de escrever no ambiente virtual, e só nele, pois na sala de aula ainda é um nó - fato que só me faz ter a certeza de que a escola não reproduz nada da realidade na percepção do estudante. Inicialmente, fiquei chocada com o "estilo" escolhido: um registro próximo das representações fonéticas que fazíamos na faculdade, nas aulas da disciplina de Fonologia. O mais intrigante é que consider as representações mais difíceis. Quando lia aquele nawn (não, em internetês), ficava achando que eram gênios. Eu e quase toda a turma no curso de Letras custávamos a chegar às formas de representar a linguagem oral. Hoje, entendo que estávamos presos às normas, já cristalizadas em nós, da escrita formal.

Logo depois desse primeiro contato com o modo adolescente de comunicação virtual, li um texto do Sérgio Nogueira que tentava derrubar o mito da nova forma de expressão nos docentes de Língua Portuguesa. A leitura me desestabilizou bastante e suavizou minhas críticas. É claro que ninguém fez qualquer apologia a mudar a norma culta, é bom esclarecer, senão a linguística fica com má fama. O foco era a clareza de que o tipo de escrita utilizado não deve ser considerado um pecado (desde que ficasse claro para os alunos que seria EXCLUSIVA do cibernauta em situação inteiramente informal).

Naquele momento, as considerações a que submeti as ideias do professor Nogueira pairavam apenas no aspecto da língua. Com o passar do tempo, percebi que os adolescentes adicionados as minhas páginas ficavam cada vez mais soltos nos recados que me enviavam e não se preocupavam se eu os corrigiria, porque tinham perfeita noção da diferença da relação que estabeleciam comigo na sala de aula e na rede. Não é de se estranhar que outros professores e autores observassem o mesmo que eu. Os novos livros didáticos foram elaborados com propostas de redação que simulam ambientes virtuais como o blog, e-mail e sites de mensagem instantânea.

Torço mesmo para que toda essa parafernalha tecnológia seja de nós, professores, uma aliada e que um dia esteja ao alcance de todos, tornando nossas aulas mais dinâmicas e próximas do que os alunos desejam aprender. O próximo passo, pelo menos da minha caminhada, é tentar ser menos jurássica. Será que consigo?


4 de março de 2011

Quem vai querer ser professor?

Venho assistindo a uma grande valorização da tecnologia que ocorre na mesma medida da desvalorização do professor, sempre o grande culpado pelos fracassos dos sistemas educacionais, ultimamente. As salas de aula vêm sendo equipadas com máquinas fantásticas, e estas munidas de sistemas poderosos - que controlam horários, presenças e oferecem recursos (mas não podem ser usados com esse objetivo) - climatizadores, verbas de todos os lados, servindo até para que um santo dê esmola com a carteira de outro, pois assim agem os demagogos.

Metas são jogadas no ventilador e salve-se quem puder. Se o dever de casa não estiver pronto no prazo determinado, não tem gratificaçãozinha, não! Assim seguimos nós, mas o dedinho que aciona toda a tecnologia imposta está sob o comando daquilo que sentimos e pensamos. Disso esqueceram-se aqueles que desvalorizam e culpam o docente pelas derrotas.

Temos muito a aprender, sim, e muito a oferecer também, porém nada nos é perguntado. Tudo nos cai na cabeça, com a força de  mãos de ferro. Somos tratados como preguiçosos e incompetentes, a cada dia assumimos mais funções, recebemos respeito de menos. Não é à toa que os cursos de licenciatura estão vazios, e a tendência é que esvaziem ainda mais. Quem vai querer passar por tudo isso?

Até agora, vinha apostando na virada de mesa pelos professores. Confesso que estou perdendo a esperança. Vejo a educação pública edificando as bases em uma política de estatísticas. Importa "quantos". "Como", "quando", "onde", "por que" são argumentos riscados do caderninho. Sinceramente, não precisamos de tantos números. Precisamos do prazer de ensinar a quem quer aprender, precisamos de respeito e de salários dignos, precisamos de espaço para opinar e trabalhar pelos avanços sociais. É isso que queremos.