26 de dezembro de 2011

Frio na barriga

O conselho de classe final sempre me dá um friozinho na barriga, mesmo depois de tantos anos. Decidir o futuro de alguém traz uma responsabilidade enorme e, algumas vezes, um peso assustador. Este ano senti na pele um dos maiores fracassos profissionais dos meus longos anos de magistério.

Em 2010, tive um aluno que, apesar de mediano, era bastante esforçado, tinha comportamento exemplar e uma educação rara de se encontrar em pré-adolescentes. Numa de nossas tardes de aulas de língua portuguesa, a diretora adjunta da escola me chamou para um recado urgente. A mãe do menino tinha acabado de falecer. Ele deveria arrumar o material com rapidez e esperar que uma tia viesse buscá-lo. Só que, para mim, o maior problema ainda estava para ser anunciado: eu deveria dizer ao menino o que havia acontecido. "Eu?, pensei. Como poderia fazer tal coisa?". Enfim, acabei por chamar o rapazote para ser portadora da terrível notícia. Nem me lembro que palavras usei, como enrolei para chegar ao ponto. Apaguei da memória completamente o desfecho daquele dia.

O menino sumiu por uns dias e retornou obviamente tristonho, calado. Contou com o apoio tácito dos colegas, mas seguiu o ano distante, parecendo estar alheio às propostas das aulas e terminou o ano apresentando mudanças significativas no comportamento e retido com alguns professores. Tentei argumentar, uma vez que tinha bons resultados nos primeiros bimestres, mas em vão. A reprovação foi decidida e em 2011 tivemos novo encontro na mesma série. Dessa vez como sua professora de Artes.

Estava irreconhecível. Presente todos os dias só de corpo, porque a cabecinha só prestava atenção às bagunças da turma da "cozinha". Era visível que aquela reprovação não o teria ajudado em nada e novamente ficou retido em 2011, apesar das minhas súplicas ao grupo. Só que dessa vez era patente a falta de interesse e o descaso a tudo que se referia à escola, meus argumentos eram insuficientes. Que desgaste! Uma profunda tristeza se instalou em mim. Tive a certeza de que a escola ainda está longe de resgatar, conquistar e consolar, de encontrar alguns aspectos de humanização dos processos, imprescindíveis às relações.