16 de março de 2017

Reflexões sobre interpretação de texto

Com a "quase" universalização das redes sociais, muitos daqueles que não utilizavam a leitura de textos no cotidiano estão experimentando a mágica pela primeira vez. E não deve ser fácil. A leitura que, antes, era uma simples decodificação para grande parcela da população, na verdade, exige muito mais. Não basta juntar sílabas, o universo dos textos exige bagagem, reflexão, associação de ideias, porque, caso todo esse arsenal intelectual não seja utilizado, a falta de sentido continuará imperando.

Prova disso foi uma conversa que tive com a moça que faz faxina no meu apartamento. O diálogo demonstrou quanto uma análise pode ser superficial, se estamos afeitos apenas às aparências ao ler qualquer suporte. Nossa conversa versou sobre As aventuras de Pi, um filme intenso, repleto de carga emocional, inundado por metáforas e que nos impõe diversas inferências.

Para a moça, a marca do filme, em resumo, foi quando o tigre, personagem que representava o próprio Pi, saiu sem despedida, depois de um longo período de convivência em que tentavam se relacionar pacificamente. O menino, que era e o menino que passou a ser, dialogava durante todo o filme, aprendendo a sobreviver ao outro, que deixou de ser. Os personagens foram descritos por meio de magnífica parábola, densa e ao mesmo tempo sutil, explicada pelo próprio personagem, já adulto, a um escritor que o procurou para um livro que gostaria de publicar com a história de Pi.

- O tigre nem pra se despedir! - me disse a moça decepcionada com o filme.

Ainda tentei explicar o que estava por trás da narrativa. Ela riu e disse que eu viajei. Tentou demover a "viagem" da minha cabeça, porque tudo era tão simples! Ela nada havia visto do que eu lhe explicava...

Nesse contexto, observo outras tantas interpretações simplistas de tantos outros estreantes no ambiente das redes sociais, meio em que ideias políticas, filosóficas, religiosas e de várias naturezas são disseminadas junto a notícias falsas e inúmeras tentativas de enganar as pessoas envolvidas pela primeira vez no mundo das palavras. E quando essas pessoas não foram adequadamente preparadas para receber todo tipo de informação, porque não tiveram uma educação de qualidade, com o objetivo de tirá-las das trevas da falta de informação, a ignorância apenas se mantém, emoldurada por falsos certificados.

Isso ilustra apenas que muitos aprenderam a "ler", mas continuam sendo massa de manobra.