18 de dezembro de 2010

Acelera!

Tive uma Classe de Aceleração em 2003. Ali estava uma turma repleta dos fracassos do sistema escolar. Trinta e poucos alunos com distorção idade/série e a aquisição da leitura e da escrita inacabada. Adolescentes descrentes do que a escola poderia oferecer e acrescentar nas suas vidas. A realidade nua e crua: juntaram todos os multirrepetentes no mesmo espaço para que a última professora a chegar desse um jeito em todos. Cruel!

É... Só que a empatia de ambos os lados surgiu e o trabalho, apesar de intenso, produziu resultados bem satisfatórios. O projeto oferecia novas metodologias e adorei trabalhar não só com os alunos, mas também com o programa que possibilitava algumas ousadias, além de oferecer reflexões acerca daquelas pessoas que não mereciam ser consideradas "perdidas" pelo sistema, pois tinham muito com que contribuir. Enxergava pessoas que transbordavam potencial, de quem a escola tradicional não deu conta.

Quase todos apresentaram avanços significativos, mas uma das meninas não conseguia ir em frente. Essa situação me angustiava. Ainda não tinha conseguido fazê-la perceber sentido em participar das atividades, nem empenhar algum esforço para superar as dificuldades. Sem encontrar alternativa, resolvi chamar o responsável para conversar e tentar entender o percurso da menina, na verdade quase moça, na escola. Havia rumores de que ela estava grávida.

Um casal já idoso compareceu, respondendo a minha convocação. A preocupação resumia-se no pavor de que ela tivesse me desrespeitado. Logo, respiraram aliviados quando expliquei que a filha deles era um doce, uma moça educada e caprichosa... só não conseguia acompanhar a proposta de aceleração da aprendizagem. Iniciei uma exposição a respeito dos objetivos pretendidos e a distância que ela mantinha dos resultados esperados, mas eles estavam felizes da vida com a notícia de que o problema não era de comportamento. A filha tinha alcançado o que quem nunca frequentou a escola poderia imaginar. Rabiscar meia dúzia de palavras para eles era uma vitória; e a mocinha era capaz disso.

Muito animada, a mãe me contou que ela era tão inteligente, tão inteligente, que sua letra era igual à de médico. Foi uma ducha de água fria. Diante da dificuldade dos pais para entender a situação, não havia mais o que fazer, a não ser respeitar o ponto de vista dos senhores. Senti vontade de rir da revelação e de chorar de desespero por não saber mais como agir.

A gravidez foi confirmada e a aluna desistiu de estudar. No ano seguinte, conheci o bebezinho gerado enquanto aquela mãe-menina estava na minha turma e não pretendia voltar aos bancos escolares. "Preciso trabalhar", disse-me. 

Queria que o final da história fosse outro.

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