13 de janeiro de 2020

Uma mulher de fibra

Minha avó chegou ao Rio do interior de Alagoas, Quebrangulo, com 19 anos, em 1918, tutelada pelo irmão mais velho. A mãe, professora na cidadezinha, morrera de varíola ainda jovem, e o pai, agricultor, não quis deixar a vida do interior nordestino.

Vó Esther adaptou-se perfeitamente à vida glamourosa da cidade grande, embora seguisse a cartilha interiorana citada pelos homens da família. Poucos anos depois, começou uma conversa no portão com meu avô e, por isso o casamento foi marcado. Moral da época.

Foi morar em Friburgo, região serrana do estado. Meu avô tinha um armarinho e fazia as compras para o pequeno comércio na capital.

Em 7 anos de casada, vovó teve 4 filhos e estava grávida de mais um (minha mãe). Nesta ocasião, descobriu que o marido tinha uma amante no Rio de Janeiro e que a viagem de compras, daquela vez, teria outro objetivo: acompanhar a amante em um procedimento de aborto. A notícia ainda trazia louvores à beleza deslumbrante da madame da capital. Estamos em 1929.

Minha avó procurou pelo marido, que fazia as malas da viagem, para uma conversa, e avisou que, se fosse acompanhar a moça, ela iria embora.

Ele achou graça do piti da mulher traída e deu sequência ao que havia planejado. Era ridículo aquele comportamento para uma mãe de família.

Na volta, minha avó tinha cumprido a promessa de ir embora para o Rio de Janeiro, com os 4 meninos e um barrigão no 8º mês de gestação.

Cabra fêmea, sim senhor, minha avó pediu estadia ao irmão, contou a história, e ele a apoiou (?!?!?!?). Impensável, para a época.

Meu avô esperou que ela se arrependesse e imaginou que pediria para voltar, passada a raiva. Ele cuidaria de diminuir a mágoa. Isso nunca aconteceu.

Vovó, após o nascimento da minha mãe, alugou uma casa de 17 quartos na distante Copacabana e montou uma pensão, sem recursos, mas com bastante disposição e coragem. Tinha 5 filhos para sustentar. Não haveria tempo para chorar.
Criou os filhos sozinha, até prosperou numa época. 

Soube que o ex-marido passava por dificuldades e o empregou, como também deu vaga de trabalho a um dos filhos dele com a tal da amante - formaram família.

Os irmãos de lá e de cá se gostaram, ficaram próximos, e os ressentimentos, no passado.

Como não admirar uma mulher que nas primeiras décadas do século XX, num Brasil tão atrasado, teve coragem de ser independente? Uma feminista genuína, sem nem saber que era.

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