25 de abril de 2020

Resumão da confusão - 25/04/2020


Hoje, pela primeira vez, senti verdadeiramente um abalo no Bolsonarismo, pelo menos, no que se refere ao apoio popular.

É preciso explicitar inicialmente o que considero Bolsonarismo. 

Não falo exclusivamente do Governo, mas da formação de um pensamento, de uma narrativa e de um corpo social que não se restringe apenas a quem inspirou a denominação.

São três as bases constituintes da ideia: a econômica, a moral e a autoritária.

A sustentação econômica surgiu do insucesso das decisões tomadas no segundo mandato de Dilma, da crise. Compôs o apoio ao Posto Ipiranga, certa do novo milagre econômico.

A fundamentação moral seria fruto do crescimento de uma religiosidade extremista, de caráter conservador, que pariu o "cidadão de bem", legalista, punitivista e puritano, apoiador da causa anticorrupção. Não que a causa não seja justa, mas deve ser um valor, jamais uma bandeira, já que a História não tem bons exemplos disso. Esta apoiou Moro.

A sustentação autoritária vem da incapacidade de assumir responsabilidade e, quem sabe, do Sebastianismo herdado. Com certeza, um autoritarismo, que no lugar de um algoz romantiza um pai vingativo e castrador, molda a base mais perigosa: intolerante, frustrada, ressentida, violenta e tosca. Essa venera o Mito, é o bolsonarista raiz. 

O fato é que, embora heterogênea, havia um só protagonista, que se forjou na onda do antipetismo e da Lava Jato, um oportunista de histórico medíocre, com apreço a torturadores, à censura, afeito a milícias, despreza a ciência, não demonstra empatia nem afinidade com o trabalho. Mau militar, parlamentar do baixo clero, jamais foi autor de projeto importante, nunca presidiu uma comissão. Só não viu quem não quis. Ninguém foi enganado.

Não teria sido eleito só com a própria base. Passou um verniz e conseguiu aproximar os outros braços, com promessas tentadoras de superpoder, deu carta branca, ou parecia ter dado. Juntou gente tão vaidosa quanto ele. Isso não pode triunfar.

Apostou nas redes sociais, soube aproveitar as oportunidades, mas nunca foi mais que um treteiro. E isso Jair faz bem, é uma fábrica de crises, de inimigos e de cortinas de fumaça. Diz, desdiz, não diz, contradiz. Isso é método, e faz com que esteja sempre certo, já que atira em todas as direções.

Garantiu a presença dos filhos no governo, verdadeiros animadores de torcida, guiados por um guru de araque. Juntos, cultivaram uma espécie de seita, com treinamento de guerrilha digital, engajados numa guerra cultural,  ideologizam todos os assuntos e criam conspirações permanentes.

De monotonia não se pode acusar o governo, as crises alimentavam os apoiadores. Soube estimular o ressentimento, regar o ódio, fazer crer que a vingança viria e manteve uma lealdade impressionante, até das personalidades que o acompanharam, Bebianno, Moro e militares que subiram na nave desgovernada.

Para permanecer no Governo é necessário concordar com o "supremo chefe". Cada discordância ou desagrado a Jair ou aos filhos resulta em fritura. Bolsonaro não respeita a independência dos poderes, desconhece limites, é implacável com os erros dos outros. Só com os dos outros.

A capa de homem incorruptível começou a ser manchada com o Queiroz e as rachadinhas do filho. O assassinato de Marielle Franco ronda o seu entorno e seus relacionamentos. Valeu-se da fórmula certeira: E o Lula? E o PT? Quem mandou matar Bolsonaro? 

Em silêncio, a Polícia Federal trabalha.

Não contava com uma pandemia. Controlar as próprias crises é mais fácil. O despreparo para o cargo ficou mais evidente e as escolhas não foram tão assertivas.

A personalidade doentia foi ficando mais intensa. Crise diplomática com a China, negação dos riscos da Covid-19, militares controlam mais a atuação da presidência e parece mais isolado. A demissão de Mandetta mostra que não exatamente. 

Aproximação com o centrão. Por que o centrão agora? E a história de ser contra a corrupção?

O apoio continuava forte: tinha as igrejas ao seu lado, Guedes e Moro, e as Fake News a todo vapor: motivos suficientes para defesas apaixonadas. O Bolsonarismo estava alimentado, apesar da má gestão da crise sanitária e algumas perdas, com 36% de apoio ninguém cai. Sentiu-se fortalecido.

O cerco aos filhos do presidente se fecha, isso é noticiado. Ele quer mais controle da PF. Não esperava a negativa de Moro, que percebeu precisar dar no pé para sobreviver na política. Bolsonaro banca a interferência política na PF.

Quem se alia a traidor ou é traído ou trai primeiro. Moro marca uma coletiva solo. Uma delação. O Bolsonarismo, perplexo, ensaia debandada, está em silêncio ou arrependido. Saiu vencedor, em um lançamento a 2022.

A resposta, também por uma coletiva, usa a tática da confusão. Diz nada com nada, apela para sentimentalismos. Acusações de volta. A palavra de um contra a de outro. Uma cena triste, o mau gosto exposto.

Nada é tão simples assim. Se os apoiadores não forem recuperados, ele tem o centrão. Perderá o apoio popular, mas é possível que ainda aprove seus projetos genocidas. 

É cedo para um veredicto, entretanto muita coisa pode acontecer: impeachment, isolamento com saída dos militares, ou ainda a tomada mais incisiva do Governo pelos militares. 

A única certeza: não era contra a corrupção, era pelo poder.

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